ARTIGO: CONEXÃO ENTRE DIREITO E LINGUAGEM

Aline Raunaimer de Oliveira[1]


RESUMO:
O presente artigo pretende analisar a conexão entre o Direito e a Linguagem, pois enquanto esta é um dos maiores instrumentos jurídicos, a lei muitas vezes apresenta uma linguagem ambígua e ininteligível através do chamado “juridiquês”. Pontua também certos obstáculos presentes na língua portuguesa que afetam diretamente o entendimento e bom andamento dos litígios em geral. Há também neste texto a pretensão de identificar a proporção de danos que tais complexidades lingüísticas causam aos processos judiciais, além de atentar ao encargo do operador do Direito neste campo. Concluindo, procurou-se identificar as adversidades mais latentes no mundo jurídico relacionadas às dificuldades lingüísticas.

PALAVRAS-CHAVE: Direito; linguagem; juridiquês.

INTRODUÇÃO:
            O Direito tem na linguagem um dos seus maiores instrumentos de atuação e por isto o operador do Direito deve dominar muito bem esta área. O atuante na área jurídica deve ir além do mero conhecimento gramatical, sabendo interpretar textos e articular suas palavras para transmitir uma mensagem clara, objetiva e coesa. O grande desafio do Direito no que tange à sua linguagem é adequá-la de forma consistente às necessidades sociais sem cair no total coloquialismo, mas agindo de forma tal que as partes interessadas nas lides entendam suas demandas. Faz-se necessário salientar a carga cultural jurídica que sempre manteve um elevado padrão de conhecimento da língua, semântica e morfologicamente e talvez por este motivo haja tantos mitos e idealizações do profissional do Direito, porém, assim como a linguagem é alterada com o passar do tempo, a ciência jurídica deve renovar o seu idioma interno para tornar a justiça mais acessível a quem quer que seja.
            Toda palavra possui um significado, porém um mesmo signo pode possuir diversas acepções diferenciadas. Um ótimo exemplo é a palavra justiça. O termo pode, dentre os seus diversos conceitos, significar equidade, honestidade e até mesmo o próprio poder judiciário. Semelhantemente existem palavras que embora sejam estruturalmente diferentes possuem um mesmo significado. Estas são as chamadas sinônimas.                                                                  Para que haja uma compreensão total da mensagem pretendida com a utilização de determinada palavra é essencial conhecer o contexto em que esta é usada, pois o texto só pode ser compreendido em sua plenitude, quando todas as palavras interligam seus significados. E, como uma única palavra pode ser demasiado polissêmica, é imprescindível que o escritor aja com extrema cautela ao escrever seu texto. O escritor deve escrever com a máxima clareza possível fazendo com que o receptor compreenda a mensagem. Por conseguinte, entende-se que também é de extrema necessidade o conhecimento do receptor no que tange às palavras e à linguagem utilizada pelo emissor, pois a inserção de termos não familiares ao leitor tornam o texto incompleto e, no caso do Direito, ineficaz.                 
            Ocorre que muitas vezes a ignorância alheia poder ser usada como instrumento de dominação e o Direito com todos os seus melindres e sofisticações linguísticas, por vezes desnecessárias, acabam por segregar conhecimento e consequentemente dificultar o acesso à justiça, ou melhor, ao judiciário.
            Uma linguagem simples e clara, poderia inclusive trazer maior celeridade aos processos judiciais. É cediço que não há necessidade de total extremismo fazendo com que o direito passe ao pedantismo gramatical ou ao total coloquialismo, mas busca-se o equilíbrio e a ponderação necessária para diminuir a morosidade processual através da língua e transformar o uso das palavras, seja nos autos ou nas audiências, em verdadeiras armas combatentes aos conflitos. Estes geralmente são iniciados por inexperiência do uso e do entendimento das palavras no contexto correto.       
            O professor Lev Semenovich Vygotsky pontua em seu livro Pensamento e Linguagem a seguinte premissa:

Na ausência de um sistema de signos, linguísticos ou não, só é possível o mais primitivo e limitado tipo de comunicação. A comunicação por meio de movimentos expressivos, observada sobretudo entre os animais não é tanto comunicação mas antes uma difusão de afeto. O ganso atemorizado que de súbito se apercebe dum perigo e alerta todo o bando com os seus gritos não está dizendo aos restantes o que viu, antes está contaminando os outros com o seu medo. (VYGOTSKY, 2009, p. 12)

            Através deste trecho é possível perceber que o conhecimento é necessário para uma comunicação clara, pois transmitir uma mensagem é algo simples, o difícil mesmo é fazer-se entender da forma desejada.  Por mais que as relações sociais reflitam um padrão de aferição do Direito, a linguagem jurídica tem por sua essencialidade o uso de termos complexos e típicos da área para individualizar-se, mas, embora em certo ponto esta individualização seja saudável, a utilização de termos compreensíveis seria muito mais útil para facilitar o bom andamento dos processos e os operadores do Direito.
            Nem todos sabem que cabente é o devido a cada herdeiro; que de cujus é a pessoa falecida; jacente é a herança abandonada; premoriência é a morte de uma pessoa antes da outra. O poder segregado está engajado no Direito que “manda e desmanda” e a linguagem cheia de rebuscamentos desnecessários é base para a manutenção deste direito que se explica por suas normas e não pelas transformações sociais.    
            Segundo o livro Linguagem & Direito, organizado por Virgínia Colares:

No Direito, a linguagem estabelece relações entre pessoas e grupos sociais, faz emergir e desaparecer entidades, concede e usurpa a liberdade, absolve e condena réus. Um compromisso, antes inexistente, pelo uso da linguagem, origina-se no Direito; um novo órgão estatal surge pela utilização da palavra certa, pela pessoa certa; um procedimento legal é instituído no novo código processual em gestação, poderes são conferidos etc. Enfim, algo diferente acontece no panorama delineado pelo Direito, porque foi realizado um ato jurídico através de um ato de fala, isto é, realiza-se um ato performativo de fala, uma ação que determina mudanças no mundo legalmente estruturado. (COLARES, 2010, p.10)

            Através deste trecho é possível perceber a importância do Direito e, exatamente por isto, tal ciência não pode manter-se incompreensível às pessoas comuns. Desta forma, o monopólio da informação continuaria com os atuantes da área jurídica, deixando a sociedade à mercê de qualquer possível mando e desmando jurídico proveniente de alguém que não pretende colaborar para sua evolução, ou, pior, proveniente de alguém que apenas reproduz as palavras que lê, mas sem entendê-las, já que o desconhecimento do “juridiquês” não é exclusivamente da população leiga, mas muitas vezes parte dos próprios atuantes na área jurídica.   
            As partes, geralmente leigas, nem sempre entendem uma decisão que afeta suas vidas. O resultado disso é a falta de segurança das pessoas em procurar a Justiça e de confiança nas decisões judiciais. Pensando nisto, foi criado o projeto de Lei 7.448 de 2006, da deputada Maria do Rosário (PT-RS), procurando garantir que as sentenças judiciais sejam claras à população. Infelizmente o projeto se encontra arquivado Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA). 
            A deputada pretendeu, através deste projeto, fazer com que os juízes fossem obrigados a produzir suas sentenças em uma linguagem mais acessível, sempre que entre as partes houvesse uma “pessoa física”. Segundo, o projeto, as expressões em termos estrangeiros também deveriam estar acompanhadas de tradução.      
            A justificação para o projeto de lei dada foi a seguinte:

Diferentemente das decisões interlocutórias, que são destinadas ao conhecimento dos advogados, a decisão final do processo dirige-se principalmente às partes. A exemplo do texto constitucional, cuja técnica de redação prioriza o uso de palavras de conhecimento geral e cuja hermenêutica recomenda a opção pelo sentido comum, assim também deve ser concebida a sentença judicial, já que tanto a Constituição como a sentença não podem ser reduzidas a um texto técnico. Embora não se desconsidere a importância do Advogado enquanto interlocutor técnico autorizado, o Estado tem o compromisso político de dirigir-se diretamente ao cidadão que o procura para a solução de uma Lide. Nesse passo, deve-se considerar que o Direito, de forma corriqueira, utiliza-se de linguagem normalmente inacessível ao comum da população, apresentando, no mais das vezes, um texto hermético e incompreensível. Assim, de pouco ou nada adianta às partes a mera leitura da sentença em seu texto técnico. Desse modo, a tradução para o vernáculo comum do texto técnico da sentença judicial impõe-se como imperativo democrático, especialmente nos processos que, por sua natureza, versem interesses peculiares às camadas mais humildes da sociedade, como as ações previdenciárias e relacionadas ao direito do consumidor. Pelo exposto, conclamo meus pares a aprovar o presente projeto de lei. (ROSÁRIO, Projeto de Lei nº7448, 2006, p.2)

            Por mais comuns que certas expressões possam ser aos atuantes jurídicos, estas podem ser totalmente ininteligíveis ao leigo. Uma linguagem especializada economizaria tempo, facilitaria o trabalho e sanaria imprecisões –  porém quase sempre palavras rebuscadas são formas de constrangimento.
            Este excesso de linguagem rebuscada confunde e é, muitas vezes, estratégia para demonstrar erudição. Porém, há certo temor por parte dos magistrados no sentido de que o excesso de simplicidade empobreça a linguagem. Como já pontuado, o ideal é procurar um equilíbrio entre texto acessível e a técnica jurídica. O excesso de “juridiquês” preocupa até o Judiciário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
            Assim como as constituições se amoldam à sociedade para manterem-se eficazes, o Direito deve renovar sua linguagem para viabilizar seu acesso e se manter eficiente na vida das pessoas. O intuito do Direito é a resolução das lides e a conseqüente facilitação e segurança do cidadão comum, porém se não houver real entendimento das partes, não há que se falar em justiça material.

REFERÊNCIAS

VYGOTSKY, Pensamento e Linguagem. São Paulo: Ed Ridendo Castigat Mores, 2009, p. 12    
    
COLARES, Virgínia. Linguagem & Direito. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010, p.10   


ROSÁRIO, Maria, Projeto de Lei nº7448, Brasília: Câmara dos Deputados, 2006, p.2




[1] Acadêmica cursando Direito na Faculdade Dom Bosco

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

“Pivete”

Fichamento informativo “Pré-socráticos: físicos e sofistas”

Fichamento de comentário "Primeira lição sobre direito"