RESENHA CRÍTICA: DIANTE DA LEI (FRANZ KAFKA) 1
A fábula-trecho “Diante da lei” do livro O processo, escrito por Franz Kafka,
traduzido por Marcelo Backes, e publicado pela editora L&PM, de Porto
Alegre, no ano de 2011, trata da história de um homem do campo que está diante
da porta da lei, mas não consegue acessá-la pelo fato de não ter a permissão do
porteiro.
Franz Kafka era um escritor tcheco, que
trabalhou a vida inteira em cargos burocráticos. Formado em Direito, utilizou
essa área de estudo para confeccionar suas principais obras, como Metamorfose e O castelo.
O autor também fez parte da chamada Escola
de Praga, um movimento que misturava realismo, metafísica e ironia, uma escola
de pensamento moderna, que fazia com que seus textos fossem fáceis de ler, mas
complexos para interpretar, exigindo do leitor um conhecimento mais aprofundado
do assunto.
O texto conta a história de um homem do
campo que está diante da porta da lei e tenta acessá-la, mas é impedido pela
presença de um porteiro. O porteiro avisa que agora ele não poderá entrar, mas
que se quiser desconsiderar a ordem dele e atravessar a porta irá encontrar
outros porteiros mais fortes no caminho. O homem fica amedrontado e decide
esperar, mesmo não entendendo por que a lei não está acessível a todos e a
qualquer hora.
Ele espera durante anos e o porteiro
continua negando a sua passagem. Quando já está perto de morrer ele pergunta ao
porteiro o porquê de ninguém mais ter tentado entrar. O porteiro então
esclarece que ninguém além dele poderia entrar naquela porta, e agora que
estava morrendo ele iria trancá-la.
O texto se estrutura em uma página e
utiliza a metodologia da parábola.
Fazendo um paralelo com o texto de Kafka, temos
o capítulo “O que é direito?”, do livro Primeira
Lição de Direito, escrito por Paolo Grossi, traduzido por Ricardo Marcelo
Fonseca e publicado pela editora Forense, do Rio de Janeiro, no ano de 2006.
Neste, trata-se da imaterialidade do direito e dos motivos que levam os
cidadãos comuns a terem uma perspectiva negativa acerca deste ramo do
conhecimento.
Paolo Grossi é professor titular da
disciplina de história do direito medieval e moderno da Universidade de Florença.
Também é membro da Accademia Nazionale dei Lincei e ministro da Corte
Constitucional da República Italiana.
O autor recebeu influência de grandes
doutrinadores como Santi Romano e Giuseppe Capograssi, sendo, portanto, um
historiador do direito, e utilizando essa escola de pensamento em suas mais
importantes obras.
O texto analisado, apesar de ser de simples
leitura, aborda de maneira complexa a questão da imaterialidade do direito,
determinando os motivos que levam a maioria dos cidadãos comuns a manterem-se
afastados desse importante instrumento de controle social. Grossi apresenta a
tese de que por não ser perceptível aos sentidos, acaba sendo difícil para os
mais leigos terem uma concepção absoluta acerca dos seus direitos e das formas
de acessá-los corretamente.
Além
disso, por ser, na maioria das vezes, utilizado de maneira autoritária por
aqueles que detêm o poder, quanto à determinação de normas e a aplicação de
sanções, o direito acaba apresentando-se de maneira aterrorizante para aqueles
que não compreendem os seus ritos. Devido a isso, não é difícil compreender o
porquê da visão equivocada de ser o Direito apenas mais uma forma de manter os
influentes em um patamar mais elevado, ter se propagado com tanta rapidez entre
a população.
O
texto se estrutura em onze páginas, com cinco subtítulos, e utiliza a
metodologia bibliográfica.
Apesar de se tratarem de abordagens
distintas, os dois textos apresentados possuem sintonia quanto à discussão
acerca da dificuldade de compreender o Direito. Kafka faz sua abordagem através
de uma parábola, repleta de figuras de linguagem, o que acaba dificultando a
absorção de seus ensinamentos. Em contrapartida, Grossi elabora sua tese
através de uma produção acadêmica direta, sendo mais acessível aos leitores.
Assim, pode-se afirmar que o texto de Kafka encontra-se completamente decifrado
através das ideias de Grossi.
Mesmo existindo certa divergência entre
eles, a comparação entre essas duas obras evidencia a extrema importância do
Direito para a vida em sociedade e a sua inutilidade quando utilizado de
maneira autoritária e sem a devida análise do contexto social. As lições de Kafka
e Grossi afirmam que é compreensível a dificuldade que muitos enfrentam para se
aproximar desse instituto, contudo, os autores não conseguem ser unânimes
quanto os fatores que desencadeariam essa problemática.
Kafka cita a falta de instrução do homem
comum, a burocracia que envolve os processos jurídicos, a falta de amparo
jurídico para aqueles que mais precisam de ajuda para fazerem valer os seus
direitos e, até mesmo, o medo exacerbado que as normas impõem, devido ao seu
mau uso.
O ponto de divergência se relaciona
justamente com a falta de instrução do homem comum. Para Grossi, ela seria bem
mais uma consequência da falta de amparo jurídico do que uma causa propriamente
dita.
Apesar dos textos exigirem uma visão de
mundo maior, não se pode deixar de notar a sua indispensabilidade para os
estudantes de direito, sendo, portanto, indicado àqueles que querem conhecer melhor
os princípios de justiça.
E neste grupo se enquadram estudantes, operadores
do direito, em formação, ou com uma brilhante carreira já construída e até
mesmo os cidadãos mais leigos. Contudo, é necessário ter uma pequena bagagem
para tirar maior proveito das lições aqui apresentadas.
REFERÊNCIA
KAFKA, Franz. O processo. Trad. Marcelo Backes. Porto
Alegre: L&PM, 2011. p. 246-247.
GROSSI, Paolo. Primeira Lição de Direito. Trad.
Ricardo Marcelo Fonseca. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.01-11
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