ARTIGO Sistema prisional brasileiro: ressocialização do indivíduo ou aperfeiçoamento para o crime?
Denise Cunha de
França Olegário[1]
RESUMO
Este artigo tem o propósito de
analisar o Sistema Prisional Brasileiro no que diz respeito à efetividade no
processo da ressocialização do preso. A desestruturação do sistema carcerário,
bem como a superlotação, o estado precário das penitenciárias já existentes, a
violação dos direitos fundamentais, o abandono e a falta de interesses dos
governantes em busca de soluções para o caos que a sociedade enfrenta
atualmente, são temas pontuais desse artigo. Diante desse quadro, apresenta uma
nova proposta organizacional prisional, a qual poderia ser o primeiro passo
para a concretização no processo de readaptação do preso na sociedade.
PALAVRAS-CHAVE:
Sistema
Prisional Brasileiro; Ressocialização do preso; Responsabilidade Estatal;
Organização Prisional.
INTRODUÇÃO
O
presente artigo tem como objetivo discutir e apresentar a atual realidade do
Sistema Prisional Brasileiro, no que tange a efetividade no processo de ressocialização
do preso.
Diante
de uma sociedade que clama constantemente por justiça, o que visualizamos é uma
desestruturação total no sistema carcerário, uma violação dos direitos humanos,
que serve na verdade como uma escola para o aperfeiçoamento do crime, baseado
na revolta e no desejo de vingança. O que temos é um sistema falido, que esta
muito aquém de atingir sua real função.
O
sistema carcerário encontra-se em total abandono, a superlotação e o estado
precário das penitenciárias já existentes são motivos de constantes rebeliões,
ocasionando a morte de muitos e desespero de muitas famílias.
Em
que pese à inserção do indivíduo na sociedade, não há a mínima possibilidade,
já que este perde completamente a sua dignidade, vivendo em condições
degradantes.
O
sistema penitenciário brasileiro atravessa por inúmeras dificuldades, o que
observamos são inúmeras discussões e pesquisas discutidas sobre esse tema, porém
é evidente, a necessidade do Estado assumir a responsabilidade, tomando medidas
que venham a viabilizar a reconstrução do sistema penitenciário do Brasil.
Destarte,
para isso, é essencial que haja vontade e interesse dos governantes. É preciso
uma organização prisional, agilidade nos processos e que seja garantida a
dignidade da pessoa humana acima de tudo. Não se pode ignorar essa situação e
acreditar que após o cumprimento da pena, o detento tem condições de conviver
novamente em sociedade, pois isso é uma verdadeira utopia.
ABORDAGEM GERAL
Os
direitos humanos estão fundamentados no princípio da dignidade da pessoa
humana, consagrados em nossa Constituição Federal e como alicerce no Estado
Democrático de Direito. Todavia refletem em todos os ramos do direito. Assim, ao
falarmos em dignidade da pessoa humana, logo refletimos a questão da dignidade
atribuída aos presos.
O rol de direitos e garantias, a fim de
assegurar não somente a existência, mas também a dignidade, a igualdade, etc., deixam
muito a desejar no que tange a garantia prevista aos presos. É evidente que
falta de estrutura do sistema prisional não garante em hipótese alguma a
ressocialização do indivíduo, muito pelo contrário, o torna ainda pior.
A
Declaração de Direitos Humanos, afirma que ninguém poderá ser submetido a
tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante, portanto na prática não é
bem isso que assistimos. Quase que diariamente vemos a mídia noticiar as
superlotações e o estado precário das penitenciárias já existentes.
Diante
de uma sociedade, que clama diariamente por justiça, é muito comum ouvirmos a
frase: os Direitos Humanos são para humanos direitos. É evidente que existe
muita revolta embutida nesta afirmação e que muitos acreditam que os direitos
humanos, atualmente, servem para proteger somente bandidos, deixando a
população desprotegida e injustiçada.
A
verdade é que para grande maioria os Direitos Humanos, se tornou sinônimo de
proteção ao delinquente e para a população restou apenas a esperança da
justiça.
Não
obstante, os direitos humanos são aqueles direitos inerentes aos seres humanos.
Daí, embora, tenham cometidos atos criminosos, esses não deixaram de serem
seres humanos e para que haja a concretização da ressocialização é
incontestável que haja esses diretos básicos, uma vez que sem eles é impossível
se chegar ao escopo proposto pela pena privativa de liberdade.
De
maneira oposta, o que testemunhamos segundo Cezar R. Bitencourt, em seu livro, Falência da pena de prisão: causas e
alternativas, são:
maus tratos verbais ou de fato
(castigos sádicos, crueldade injustificadas, etc.); b) superlotação carcerária
(a população excessiva reduz a privacidade do recluso, facilita os abusos
sexuais e de condutas erradas); c) falta de higiene (grande quantidade de insetos
e parasitas, sujeiras nas celas, corredores); d) condições deficientes de
trabalho (que pode significar uma inaceitável exploração do recluso); e)
deficiência dos serviços médicos ou completa inexistência; f) assistência
psiquiátrica deficiente ou abusiva (dependendo do delinqüente consegue comprar
esse tipo de serviço para utilizar em favor da sua pena); g) regime falimentar
deficiente; g) elevado índice de consumo de drogas (muitas vezes originado pela
venalidade e corrupção de alguns funcionários penitenciários ou policiais, que
permitem o trafico ilegal de drogas); i) abusos sexuais (agravando o problema
do homossexualismo e onanismo, traumatizando os jovens reclusos recém
ingressos); j) ambiente propicio a violência (que impera a lei do mais forte ou
com mais poder, constrangendo os demais reclusos. ( BITENCOURT,2001,
p.156-157).
Diante dessa
realidade, mais adiante, o mesmo autor frisa:
a
prisão ao invés de "frear a delinqüência, parece estimulá-la,
convertendo-se em instrumento que oportuniza toda espécie de
desumanidade", até porque não traz "nenhum benefício ao apenado; ao
contrário, possibilita toda sorte de vícios e degradações (p.157).
A
pena privativa de liberdade veio para substituir as penas cruéis praticadas na época
da Antiguidade, entretanto não conseguem cumprir sua efetiva função, que é
readaptar o indivíduo na sociedade, permitindo-lhe usufruir de uma vida digna
na sociedade a qual pertence.
Infelizmente
o que temos atualmente é uma escola para o aperfeiçoamento do crime, baseado
principalmente na revolta e no desejo de vingança embutido em cada detento.
Perante
a superlotação das penitenciárias é constante vermos a forte tensão, violências
e rebeliões que ocorrem, ocasionando a morte de muitos e o desespero de muitas
famílias.
Cesare
Beccaria, em sua brilhante obra, Dos
Delitos e Das Penas, de 1764, já nos apresentava as dificuldades do sistema
prisional daquela época:
A
razão está em que o sistema atual da jurisprudência criminal apresenta aos
nosso espíritos a idéia da força e do poder,em vez da justiça;é que se atiram,
na mesma masmorra,sem distinção alguma, o inocente suspeito e o criminoso
convicto;(...)(2007,p.27)
Por
fim, em 2014, nos deparamos ainda com a mesma prática, pois não há separação
alguma dentro das celas. Não existe separação detentos por classificação de
delito.
As
prisões encontram-se abarrotadas, não oferecem o mínimo de dignidade e
condições de sobrevivência, em muitas celas o detento vive em condições
precárias de higiene, sem lugar para fazer suas necessidades e divide o espaço
com insetos e ratos, como evidenciado em documentários sobre a Penitenciária de
Vila Velha- ES.
É evidente que sistema prisional brasileiro
encontra-se falido, inexiste uma organização prisional, uma vez que não há a
separação dos presos por categorias de delitos ou por tempo de pena.
Vale
salientar ainda, que a morosidade do processo e os erros do poder judiciário
contribuem muito para que esses índices aumentem a cada dia.
O
que realmente temos é um depósito de seres humanos jogados e esquecidos em
celas, sendo tratados de forma desumana e degradante, das quais não se podem
nem ser comparadas como bichos, a mercê da sorte. Onde esta a dignidade da
pessoa humana?
O
que leva uma pessoa a entrar no mundo do crime?
Muitos
são os fatores. Os direitos fundamentais positivados na Constituição Federal,
alude em sua teoria, que somos todos iguais perante a lei, porém na realidade,
não é bem assim que vemos acontecer, se o cidadão obtém de recursos ou de
influência, esses direitos são iguais, caso contrário, não são.
Existe
atualmente uma grande camada da população que ainda vive em extrema pobreza. O
acesso á educação de qualidade, à saúde, ao emprego, enfim, a falta de
oportunidade e de perspectiva de dias melhores, ilude o jovem ao crime.
É
obvio que nenhuma pessoa nasce criminosa. Todavia, é muito comum o presidiário
de hoje, ser aquele mesmo, a quem não lhe foi garantidos os direitos
fundamentais, ou seja, é aquele que nunca possuiu direitos.
Vale
salientar ainda que, após o cumprimento da sua pena, o ex-detento passa a
cumprir uma nova pena, que é o repúdio da sociedade, já que não consegue
oportunidade de emprego para viver de forma digna.
Não
quer dizer que o presidiário deva possuir regalias, conforto. Contudo o
presidiário ao ser condenado recebe a pena privativa de liberdade e não
privativa de dignidade.
O
princípio da proporcionalidade garante que a lei só deve impor penas
estritamente necessárias e proporcionais ao delito, de outro modo retroagimos a
Lei de Talião.
Neste
sentido, não podemos eximir a responsabilidade do Estado, no que tange a
garantia efetiva dos direitos fundamentais do individuo, uma vez que a carência
e a falta desses direitos contribuem para o aumento da criminalidade.
Mas
o que fazer?
Primeiramente
é preciso prevenir, cortar o mal pela raiz. Daí surge à emergência do Estado assumir
a responsabilidade em garantir esses direitos fundamentais, através de práticas
públicas e sociais que possibilitem a diminuição da pobreza, gerando empregos,
o incentivo a educação, já que investindo na educação da criança e adolescente,
podemos diminuir consideravelmente a incidência de delinquentes no futuro.
Conforme
adverte o criminalista Luís Francisco Carvalho Filho, em seu livro A Prisão:
Não
há perspectiva de melhoria nesse campo sem a implementação de uma série de
políticas que envolvem desde medidas aparentemente singelas, como iluminação
pública e criação de áreas de lazer para a população periférica, até reformas
muito profundas, voltadas para a reversão do processo de exclusão econômica e
para o aperfeiçoamento das instituições policiais e judiciárias. (2002.p.76)
Muitas
são as medidas que podem ser adotadas para viabilizar a reconstrução do sistema
penitenciário do Brasil, tais como: adoção de penas alternativas, baseadas na
gravidade do delito; a triagem, verificando se a pena já foi cumprida e a
possibilidade da progressão desta - pois é sabido que tem muitos presos que já
cumpriram a pena, ou poderiam ter a pena reduzida e estão ali ocupando espaço,
pois não existe interesse politico em verificar tais situações.
Não
podemos esquecer que a pena não é perpétua, dessa forma, um dia esses detentos
estarão entre nós novamente, e piores, movidos pelo desejo de vingança.
Por
fim, ignorar essa realidade é dar um tiro no próprio pé, pois é impossível a
ressocialização do individuo, em um sistema degradante e falido como se
encontra o sistema penitenciário brasileiro. O que não podemos é ficar de
braços cruzados e assistindo de camarote essa situação crescer a cada dia.
REFERÊNCIAS:
FILHO,
Luís Francisco Carvalho. A Prisão: 2º ed. São Paulo: Publifolha,
2002.
BITENCOURT,
Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas: 2º ed.
São Paulo: Saraiva. 2001.
BECCARIA,
Cesare. Dos delitos e das penas. 22ª
ed. São Paulo: Editora Martin
Claret, 2007.
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