ARTIGO A soberania estatal e as normas internacionais: como tratados estrangeiros influenciam o direito interno
RESUMO
O presente artigo tem como finalidade analisar
a aplicação do princípio da soberania dos Estados no atual contexto da
sociedade global. Para isso, serão discutidas questões controversas e
analisadas opiniões de grandes doutrinadores, com vistas a investigar se a
ratificação de tratados internacionais pode comprometer o Direito Interno,
impedindo que o Ente Estatal governe seus cidadãos sem nenhum tipo de pressão
ou imposição. Neste trabalho também se abordará a questão da interferência das
Organizações Internacionais na política mundial.
PALAVRAS-CHAVE: Direito
Interno; Direito Internacional; Princípio da Soberania estatal
INTRODUÇÃO
Uma questão controvertida dentro do Direito
Internacional diz respeito à criação de tratados, especificamente no que se
refere à internalização dos compromissos neles estabelecidos. Quando os países
pactuam termos internacionais buscam estabelecer objetivos que correspondam aos
seus anseios, por isso, constantemente, os acordos acabam não apenas
influenciando, mas concretizando direitos e deveres na ordem interna. Assim,
nem sempre o direito nacional consegue superar a força das leis estrangeiras, e
é ai que começa a discussão.
Um dos preceitos basilares do Direito
corresponde ao chamado princípio da soberania estatal, que garante que nenhuma
nação regulará o ordenamento da outra. Todavia, algumas determinações
internacionais são utilizadas hoje como instrumentos de pressão contra os
países, principalmente aquelas emanadas por Órgãos como a ONU.
Para tentar rebater esse mecanismo de
controle forçado, alguns Estados acabam se recusando a adotar normas criadas
pelos demais. Em resposta, recebem o que se chama de embargos econômicos e/ou
políticos. Tal situação é de certo bastante complicada e controversa, pois de
um lado temos a questão da independência nacional de um país e do outro a
tentativa de melhorar a situação da sociedade global. Porém, torna-se
necessário limitar o poder que um Estado exerce perante o outro, para que não
existam superpotências no controle de colônias.
DESENVOLVIMENTO
Antes da Primeira Guerra Mundial, o Direito
Internacional era entendido como a simples normatização de regras que
regulamentam as relações entre os Estados. Contudo, tal acepção corresponde a
apenas uma parcela da gama de atribuições que este ramo jurídico possui
atualmente.
Com a globalização e o advento da internet grandes conquistas foram alcançadas, como a interconexão
cultural e econômica dos países. Isso possibilitou uma maior compreensão das
culturas mundiais e permitiu que o “Law of Nations” (lei das nações) agregasse
novas tarefas. Assim, o que começou como forma de manter relações diplomáticas
e assegurar a paz passou a ser visto como mecanismo de garantia do bem-estar
social humano.
Foi através desta nova compreensão que se pode
abandonar a antiga concepção de que os Estados-Soberanos deveriam ser os únicos
sujeitos de direitos internacionais, sempre representando aqueles que deles
necessitassem. Com isso, as organizações criadas pelos Estados (ONU, OIT, OMC,
etc.), as organizações não governamentais, as instituições não estatais (Cruz
Vermelha, Santa Sé e Ordem de Malta), e até mesmo os indivíduos nacionais,
quando assistidos por seus países, passaram a integrar esse rol, expressando
suas vontades no cenário mundial e tendo o direito de coexistência paritária.
Diante disso, não é difícil entender o porquê do Direito
Internacional ser um “sistema legal horizontal”, sem força maior ou autoridade
suprema, e, consequentemente, sem uma delimitação específica de valores
essenciais. Isso é bem explicado pelo Professor Hee Moon Jo, em seu livro Introdução ao Direito Internacional:
Pode-se perceber que os Estados que
participam na legislação internacional representam os seus interesses
nacionais. Eles dificilmente abrem mão de suas vontades unicamente para o bem
comum da sociedade internacional. Já que não se sabe qual é o critério
determinante do bem comum, as normas acordadas pelos Estados podem ser
entendidas como a prova do bem comum, desde que os Estados cuidem dos povos,
que são os indivíduos da sociedade internacional. (JO, 2004. p. 45)
Desta forma, se não há um órgão regulador com poder
suficiente para determinar quais regras deverão ser obedecidas e quais sanções
deverão ser aplicadas àqueles que as descumprirem, a ideia de que somente serão
formuladas normas que visem o bem da coletividade acaba sendo questionável. Sem
Lei Maior, os países mais poderosos, tanto econômica quanto politicamente,
criam diretrizes que possam, direta ou indiretamente, ser benéficas a eles
mesmos, ignorando a vontade dos mais fracos.
Prova disso é o próprio Conselho de Segurança da ONU.
Composto por 15 membros, apenas cinco deles (Estados Unidos, França, Reino
Unido, a Rússia e China), denominados de Membros Permanentes, possuem o poder
de vetar resoluções, projetos ou ações que quando emanadas deverão ser
respeitadas por todos. Ou seja, mesmo que a ação do Conselho seja extremamente
necessária e benéfica, se um desses membros permanentes não concordar, ela não
será posta em prática.
É claro que os preceitos internacionais não se integram
imediatamente ao direito interno. Para isso é necessário um rito próprio,
desenvolvido por cada país. Além desse requisito, também se exige que o
Estado-nação tenha se comprometido a adotar tais medidas. Mas, mesmo que exista
tal anuência, é justo que os nacionais devam obedecer a regras que não partiram
apenas de seus Estados soberanos? E se houverem normas que contradigam o que
dispõe a regra maior de cada nação?
Existem algumas teorias que buscam solucionar tal
problemática. As principais concepções adotadas pela doutrina dividem-se em
teorias monista e dualista. De acordo com a teoria monista, normas
internacionais e nacionais fazem parte de apenas um sistema jurídico e, por
isso, encontram correspondência naquilo que dispõem. No entanto, se houverem
pequenas divergências entre elas, recorre-se a técnicas de interpretação ou
critérios doutrinários de resolução de conflitos.
Já a concepção dualista acredita que direito interno e
internacional fazem parte de sistemas diferenciados, o que seria a causa de choques
entre eles. Como bem explica José Francisco Rezek em sua obra Direito Internacional Público - curso
elementar:
Para os autores dualistas, o direito
internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente
independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica de uma norma
interna não se condiciona à sua sintonia com a ordem internacional. (REZEK,
2005. p.4)
Assim, através dessa visão mais duas teorias são
formuladas. A teoria dualista com prevalência do direito internacional e a
teoria dualista com prevalência do direito interno. Como os nomes sugerem,
dependendo da corrente adotada, um desses regramentos acabará prevalecendo.
Não é difícil perceber que, no contexto atual, a teoria
dualista tende a ser a mais radical. Por isso, o Brasil utiliza a teoria
dualista moderada, obtendo o que se chamaria de “o melhor dos dois mundos”.
Assim, a ordem interna absorve a externa sem choques, através de pequenas
concessões entre elas. É exatamente pelo fato do Brasil ter adotado essa
corrente que se discute se ele não estaria dando um valor maior para as normas
estrangeiras. Afinal, norma posterior derroga anterior. Nesse sentido, também
se discute se a soberania estatal brasileira não estaria comprometida.
A soberania, consagrada no artigo primeiro da Constituição
de 1888, como fundamento da República Federativa do Brasil, é, sem dúvida
nenhuma, uma das mais importantes prerrogativas do Estado, estando intimamente
ligada à função maior do país. Segundo Marcelo Caetano, citado por Alexandre de
Moraes em seu livro Direito
Constitucional, a soberania pode ser definida como:
Um poder político supremo e
independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por
nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade
internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceites e
está em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos. (CAETANO apud MORAES, 2007, p. 16)
É a soberania
que confere aos países alguns privilégios próprios, como o da autodeterminação
dos povos, da não intervenção e da igualdade entre Estados; que garantem que a Nação
possa reger a vida de seus súditos da maneira que entender ser a melhor. Portanto,
todas as regras internacionais devem respeitar o direito dos países de
acatá-las ou não. É justamente por existir tal discricionariedade quanto à
adoção de regras estrangeiras que se desenvolveu o instituto da ratificação,
uma confirmação de que o Estado irá cumprir as regras impostas por tratado de
cunho internacional.
Desta forma, o ordenamento nacional acaba sendo
complementado pelo estrangeiro. Como exemplo dessa complementação, podemos
citar a adoção dos direitos fundamentais do homem quando a Assembleia Nacional
Constituinte firmou a ainda vigente constituição do Brasil. Outra prova da
presença marcante dos dispositivos externos na ordem nacional é o que consagra
o parágrafo segundo do artigo 5º da Constituição Brasileira:
Os direitos e garantias expressos
nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Republica Federativa
do Brasil seja parte (CF/88, p.55).
De fato, tal enunciação, denominada de cláusula de
abertura material, presente na CF/88, demonstra que a Lei Magna reconhece a
importância da legislação internacional. E, de fato, ela é importante, afinal
vive-se um momento histórico, onde os países começaram a por suas divergências
políticas e econômicas de lado para proteger os direitos transindividuais do
homem.
O problema é que determinados preceitos expedidos por órgãos
internacionais, ou por tratados, são vistos como uma afronta ao principio da
soberania dos povos. Um exemplo marcante é o da Primavera Árabe. Quando o caso veio
à tona, os países envolvidos passaram a sofrer pressões políticas e embargos
econômicos para que implantassem a democracia para suas nações. Nesta ocasião houve
o apelo da população, mas se um órgão pressiona um país para que ele ingresse
em outra forma de governo, evidencia-se um claro desrespeito ao preceito da
soberania.
CONCLUSÃO
É certo que nenhum princípio consegue ser absoluto, nem
mesmo o da soberania, porque aqueles que o impuseram dão um jeito de aplicá-lo
da maneira que melhor convém. Porém, o povo precisa sentir que existe segurança
estatal, não apenas no campo econômico, mas principalmente no viés político.
Portanto, deve-se sempre observar se o fato de aceitar
normas impostas por outros Entes não influenciará o contexto social do país a
ponto de fazer com que se perca a soberania do Estado, pois aceitar isso é admitir
que o país mais poderoso, ou o conjunto deles, governe todo o cenário
internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 1 a 115.
JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional. São Paulo: LTr, 2004. p. 39 a 68.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas,2007.p. 1 a 31.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998
Comentários
Postar um comentário